O cientista político americano Robert Dahl escreveu em 1972 que “uma característica-chave da democracia é a contínua responsividade do governo às preferências de seus cidadãos, considerados como politicamente iguais”. No sistema político brasileiro, os poderes Executivo e Legislativo são os responsáveis por garantir que essas preferências sejam levadas em conta — se não forem, presidente e parlamentares podem ser punidos nas urnas. Eis a força motriz da política. Não é esperado do Judiciário que seja responsivo aos anseios populares. Isso é bom, porque garante aos juízes independência para resolver controvérsias à luz do Direito, sem as pressões da política. Nesse sentido, o presidente do STF Luís Roberto Barroso falou recentemente que era função dos tribunais constitucionais “dar limite ao poder das maiorias políticas”.
PRERROGATIVAS – Mas para esse sistema funcionar, os ministros do Supremo não podem ser juízes e legisladores ao mesmo tempo. Sim, o STF pode propor leis que serão apreciadas pelo Congresso Nacional, mas de forma institucional, não em combinação com táticas de pressão nos bastidores, com chantagens implícitas — acenando com o poder da corte de decidir sobre temas com impacto sobre as contas do governo ou de julgar ações envolvendo políticos. Na última semana, tivemos a confirmação de uma tendência preocupante: uma inversão de poderes, em que as práticas políticas crescem no STF e definham no Congresso. Depois da reação violenta de integrantes do Supremo à aprovação, no Senado, de limitações à sua capacidade de tomar decisões individuais, descobriu-se que avança na Câmara uma contraproposta sobre o tema, mais branda e apadrinhada por um dos ministros do STF.
VOTANDO SEM SABER – Enquanto isso, na madrugada do mesmo dia, a Câmara aprovou um pacote de leis que flexibiliza pagamentos de emendas e regras de licitações para prefeituras. Deputados reclamavam que nem sabiam o que estavam votando. O episódio reflete um distanciamento de poder crescente entre a cúpula do Congresso, em especial da presidência das casas, e o restante dos parlamentares. Atropelados pela tática da imposição, cada vez menos eles têm oportunidade de exercer outras formas clássicas de atuação política próprias do Legislativo, como a persuasão e o binômio negociação e compromisso. Como ser responsivo às preferências dos cidadãos se os seus representantes não podem fazer política?
Drykarretada!