O Exército se recusou a informar o autor e de que forma foi dada a ordem para cercar o acampamento "golpistas" de Brasília com uma linha de tanques e militares na noite de 8 de janeiro. A barreira impediu a entrada de agentes da Polícia Militar para desmontar a concentração bolsonarista em frente ao quartel-general, horas após o ataque às sedes dos três Poderes. Em resposta apresentada após pedido da Folha baseado na Lei de Acesso à Informação, o Exército se limitou a afirmar que não descumpriu ordem judicial para desmobilizar o acampamento e que utilizou “as técnicas operacionais previstas e o controle de danos”.
RESPOSTAS À CGU – Na fase de recurso, o Exército também apresentou à CGU (Controladoria-Geral da União) respostas insuficientes e versão frágil sobre as ações de 8 de janeiro. O comando disse que não usou as viaturas blindadas para proteger o acampamento ou impedir a entrada da PM do Distrito Federal. Os militares alegaram que os veículos de combate serviram para cercar a área e impedir a entrada e a saída no acampamento. O Exército também afirmou que os tanques foram utilizados para “transporte de pessoal” que atuou no isolamento da praça. Naquela noite, porém, dezenas de militares e três blindados Guarani, o principal veículo militar produzido no Brasil, posicionaram-se na entrada do setor militar, no momento em que a PM estava preparada para entrar na área e desmontar o acampamento.
ACORDO COM LULA – A barreira militar frustrou os planos de encerrar rapidamente a mobilização bolsonarista. Na sequência, integrantes do governo e representantes das Forças Armadas tiveram reuniões tensas até chegar a um acordo — com aval do presidente Lula (PT) — para desmontar o acampamento na manhã seguinte. Em depoimento à Câmara Legislativa do DF, o general Gustavo Henrique Dutra, ex-chefe do CMP (Comando Militar do Planalto), também negou uso de tanques para impedir a ação da PM ou proteger os golpistas. Ele disse que os blindados foram usados para cercar a área. “Quando nós isolamos as praças, as pessoas acharam que nós estávamos isolando a praça para protegê-las. E foram dormir”, afirmou Dutra.
OUTRA VERSÃO – Já o coronel Jorge Eduardo Naime Barreto, ex-chefe do Departamento Operacional da Polícia Militar do DF, disse à CPI dos deputados distritais que a linha de militares e tanques estava protegendo o acampamento. “Quando eu olhei para trás, tinha uma linha de choque do Exército, montada com blindados, e, por interessante que parecesse, eles não estavam voltados para o acampamento. Eles estavam voltados para a PM, protegendo o acampamento”, afirmou Barreto. A CGU considerou insuficiente a resposta do Exército no processo baseado na Lei de Acesso à Informação e pediu a entrega de documentos sobre “a referida ordem de isolamento”. Segundo a Controladoria, os militares novamente omitiram informações e não divulgaram nenhum papel, alegando que o questionamento não tinha relação com as dúvidas apresentadas originalmente pela Folha.
PRAZO DE 15 DIAS – O órgão de controle, então, decidiu obrigar o Exército a informar em até 15 dias de quem partiu a ordem para uso dos tanques e de que forma. “Não restou claro a identidade da autoridade que ordenou o isolamento da área para dissuadir a entrada de manifestantes ao local e de que forma foi dada a referida ordem, conforme solicitado pelo cidadão em seu pedido inicial”, afirmou a CGU em parecer. A Controladoria ainda fez críticas às respostas dos militares. O órgão de controle destacou que “recusar-se a fornecer informação requerida nos termos desta Lei [de Acesso à Informação] constitui conduta ilícita que, inclusive, enseja a responsabilidade de agente público ou militar”.
PROTEÇÃO AO ACAMPAMENTO – Para a CGU, ainda que não houvesse ordem para impedir a ação da PM, “conforme declarado pelo Comando do Exército, é de conhecimento público que houve uma operação militar naquele dia, a qual evitou a entrada de quaisquer pessoas, inclusive as forças de segurança civis, no perímetro de segurança do Forte Apache”. O Exército ainda omitiu, segundo a Controladoria, informações sobre registros feitos no “Livro das Partes” no dia dos atos golpistas. Esse documento deve sinalizar “todas as ocorrências havidas no serviço, inclusive saída ou entrada de tropa por motivo que não seja de instrução ou de serviço normal, relacionadas aos eventos e fatos relativos ao 8 de janeiro de 2023”, afirmou o órgão de controle.
Ponto de Vista: A coisa está ficando complicada, digamos assim. Questionado pelo repórter Mateus Vargas sobre a decisão da CGU, o Exército disse que “não se manifesta sobre declarações feitas por outros órgãos”. Bem, dificilmente essa resposta foi dada sem conhecimento do comandante do Exército, general Tomás Paiva. Isso significa que o Exército não quer tocar no assunto, em caso ocorrido já no governo de Lula. É aí que mora o perigo, como se dizia antigamente. (C.N.)
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