A prisão do ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres, mantida por Alexandre de Moraes, tem como um de seus argumentos a resistência do investigado em entregar senhas do próprio celular – o que pode ser considerado um gesto de produção de provas contra si mesmo. A justificativa usada por Moraes é alvo de críticas de especialistas, que alertam para o fato de a prisão de Torres refletir contradições típicas em matéria de processo penal brasileiro. De acordo com a decisão de Moraes, Torres forneceu as senhas de acesso a e-mails “mais de cem dias após a ocorrência dos atos golpistas (na Praça dos Três Poderes, em Brasília) e com total possibilidade de supressão das informações ali existentes”.
ERRO DE MORAES – “O Supremo tem uma jurisprudência importante sobre a proibição de obrigar o réu a se autoincriminar. Portanto, esse ponto da decisão me pareceu, sim, se distanciar do tratamento da matéria encontrado em outros casos”, diz Caio Paiva, professor e ex-defensor público federal. Para ele, o caminho mais acertado seria o Supremo conceder a liberdade provisória ao ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, com o uso de tornozeleira eletrônica, por exemplo. “É preciso que se tenha cuidado para que não se faça da prisão cautelar um mecanismo de antecipação da pena. Estou de acordo com a Procuradoria-Geral da República na revogação da prisão preventiva e na aplicação das medidas cautelares diversas”, afirmou o ex-defensor público.
A LEI É CLARA – O artigo 5.º da Constituição, responsável por delimitar as garantias fundamentais, prevê que o preso possui o direito “de permanecer calado”, cuja interpretação se estende à produção de provas que o incriminem. A Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), da qual o Brasil é signatário, também protege esse direito. No Supremo, há dois julgamentos sobre o tema, relatados por Fux, aos quais foi atribuída repercussão geral – o que os torna vinculantes para as demais Cortes do País. A maioria dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também é pela proteção do princípio, sobretudo em casos que envolvem acidentes de trânsito. Mauricio Dieter, advogado e professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), disse que “o direito contra a autoincriminação assegura também o direito de não facilitar a prova contra si”. Para ele, a análise de todos os crimes cometidos no 8 de janeiro é essencialmente política, porque “o bem jurídico lesionado é o estado democrático de direito”.
APENAS UM DESABAFO – O argumento usado por Moraes, de que Torres teria dificultado o acesso ao próprio celular, é visto pelo coordenador do curso de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), Thiago Bottino, como um “desabafo”. “Decisões judiciais não têm de ter esse tipo de comentário. Mas não é esse o fundamento pelo qual ele permanece preso”, disse o professor, doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. “É um argumento frágil. Ninguém tem a obrigação de produzir prova contra si mesmo, o que é uma garantia constitucional.” Bottino faz outro apontamento sobre o perfil do STF. “Historicamente, quando o Supremo é órgão originário e é quem decreta as medidas, ele tende a ser mais duro do que quando é instância revisora”, afirmou o professor.
Ponto de Vista: Moraes está claramente atropelando a jurisprudência do Supremo, ao descartar o direito de Anderson Torres responder à investigação em liberdade. O ilustre Luís Roberto Barroso também errou, ao alegar que o tribunal não aceita habeas corpus contra decisão monocrática de ministro. Isso é grotesco, juridicamente. (CN)
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