No panteão de mitos nacionais com membros ilustres como o saci-pererê, o curupira, a mula sem cabeça e o boitatá, uma nova integrantes chega com pompa e circunstância: a "urna eletrônica não auditável, fraudável e com resultado pré-programado pelo STF". Ela não existe, mas quem se importa? Quem perde eleição, claro, mas não sejamos indelicados com maus perdedores. Era quase meio-dia ontem (quinta-feira), quando o auditório do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), principal instituição brasileira para organização e gestão das eleições, recebeu um grupo heterogêneo de pouco mais de vinte pessoas, na maioria jovens engajados e hypados, produtores de conteúdo digital escolhidos pelo movimento Redes Cordiais, que fez a gentileza de também me convidar para o evento. Antes do início da programação do dia, que incluía palestras, um tour pelas dependências do TSE e uma aula técnica sobre o funcionamento das urnas eletrônicas, todos foram convidados a se apresentar. A cada um que resumia sua história, um TED Talk de fazer Malala Yousafzai parecer uma patricinha de shopping. Na minha vez, tive que confessar ser apenas um representante da odiada "grande mídia", aquela chamada de esquerda pela direita e vice-versa. Agradeço os breves e gentis aplausos naquele momento de anticlímax. Sigamos. Como resistir ao charme de uma mentira que inclui urnas hackeadas, invasores anônimos financiados por elites malignas e pervertidas, salas secretas de apuração de votos e resultados manipulados? Por volta das duas da tarde, a umidade relativa do ar em Brasília estava em 35%, abaixo do mínimo recomendável pela OMS e pelo bom senso para um organismo humano normal sobreviver. Quanto mais seco o ar, mais chances de dor de cabeça, problemas alérgicos, olhos irritados, asma, infecções e, claro, desidratação. Alguém vai dizer que foi um plano arquitetado para alterar nosso juízo. Neste clima ameno, fomos convidados para um agradável almoço no terraço do edifício, onde serviram um honesto strogonoff de carne, aquele prato de aceitação universal que acaba com a margem de erro dos anfitriões. Neste momento, reconheço que perdi uma grande oportunidade. Voltarei ao assunto. As palestras, apresentações e visitações apenas confirmaram o que qualquer bípede já sabe: as urnas eletrônicas brasileiras são tão seguras quanto possível, mais do que o sistema informatizado do banco que você deposita seu dinheiro, uma informação real, verdadeira, mas enfadonha. Quem se emociona com algo que funciona? Como resistir ao charme de uma mentira que inclui urnas hackeadas, invasores anônimos financiados por elites malignas e pervertidas, salas secretas de apuração de votos e resultados manipulados para subtrair o direito do povo escolher seu representante legítimo? Se non è vero, è ben trovato! O espírito do tempo no Brasil está propício a teorias que incluem até cidades perdidas na Amazônia, terra plana e vermífugos que curam Covid-19. Por que não urnas que fazem parte de uma trama digna de um filme B de espionagem internacional? É neste momento que entra o strogonoff.
Drykarretada!