O Brasil é um país verdadeiramente surrealista. Ao examinar uma questão de altíssimo interesse nacional, que envolve a estabilidade política do país, um ministro do Supremo toma uma decisão monocrática insana e sem fundamento, e ninguém diz nada, os protestos são escassos e sem firmeza.
A única notícia consistente foi de que o Ministério Público Federal irá recorrer da decisão do relator Edson Fachin, a qual a meu ver não é apenas teratológica, como dizem os operadores de Direito, mas verdadeiramente escatológica, pois o ministro juridicamente se borrou todo.
ESTRANHO SILÊNCIO – O mais intrigante é o absurdo silêncio da esmagadora maioria dos juristas, dos mestres acadêmicos e dos profissionais de todas as classes ligadas à Justiça. Ou seja, comportam-se como se Edson Fachin estivesse certo, mas na verdade cometeu um erro bestial, porque arrombou as leis em vigor e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a instância que deve prevalecer, porque essas questões de competência raramente chegam ao Supremo.
O fato concreto é que Fachin anulou as condenações de Lula da Silva sem apresentar a necessária justificativa. Como dizia Leonel Brizola, o ministro “acosteou o alambrado” até arrebentá-lo, para que os processos se evadissem rumo à primeira instância da Justiça Federal em Brasília. E o motivo de escolher a capital é desconhecido. Simplesmente, enviou.
DIZ O CÓDIGO – Como qualquer estudante de Direito aprende, a competência da Vara Criminal na primeira instância é determinada pelo Código de Processo Penal:
Artigo 69 -Determinará a competência jurisdicional:
I – o lugar da infração:
II – o domicílio ou residência do réu;
III – a natureza da infração;
IV – a distribuição;
V – a conexão ou continência;
VI – a prevenção;
VII – a prerrogativa de função.
No caso dos quatro processos do ex-presidente petista, nada existe que relacione os fatos a Brasília, muito pelo contrário. O primeiro feito anulado refere-se ao tríplex do Guarujá, em São Paulo; o segundo, ao sítio de Atibaia, idem; o terceiro e o quarto, a doações do Instituto Lula, idem ibidem. Tudo lá na Paulicéia Desvairada de Mário de Andrade – longe, muito longe, de Brasília.
OUTROS INDICADORES – Sabe-se que a competência pode ser fixada pelo lugar (ratione loci), pela pessoa (ratione personae), pela natureza da infração (ratione materiae) e, nos casos em que a competência se estende por mais de uma jurisdição, pela prevenção, prerrogativa de função, distribuição e conexão ou continência.
Lula mora em São Bernardo do Campo (SP). As infrações (corrupção & propinas) ocorreram no Guarujá, em Atibaia e na capital paulista, mas Fachin não levou nada disso em consideração.
Como ministro do Supremo, devia saber que o Código Penal, ao definir o lugar do crime (art. 6°), estabelece que “considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado“, consagrando a chamada Teoria da Ubiquidade.
DIZ A DOUTRINA – Essa Teoria da Ubiquidade estabelece: “Se em determinado local o Direito foi violado, ali deverá ocorrer a ação social para punir o criminoso”. E o Código de Processo Penal segue essa regra, ao definir:
Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
Fachin conseguiu errar duas vezes. A primeira, ao revogar a competência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba; a segunda, ao nomear Brasília como a competência original.
COMPETÊNCIA DE MORO – Qualquer aluno de Direito sabe que a competência era do juiz Moro, devido à Teoria da Prevenção. Se ele estava julgando todas as ações decorrentes da Lava Jato, e os processos contra Lula foram originados pelas delações das empreiteiras Odebrecht e OAS, as matérias estavam preventas a Moro. Simples assim.
Ao acostear o alambrado, para anular as condenações do governante que comandou o maior esquema de corrupção do mundo e até criou um alto cargo público para a amante, com carro oficial, motorista, assessores e cartão corporativo, o trêfego Edson Fachin estuprou as leis deste país.
Resta saber se o juiz ou juíza que receber esses processos em Brasília terá a dignidade de devolvê-los, reconhecendo que a competência era e é da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, porque a decisão de Fachin é nula, na forma lei. Mas quem se interessa?
Ponto de Vista: Concordo com o autor. Nada (de legal) fora levado em consideração ou seja, "se colar, colou". Acredito numa certa premeditação; num jogo de cena; dizer que isso foi uma decisão "monocrática" acho que fere um pouco o raciocínio dos que ainda acreditam na lei. Pois legalmente, sabemos que não foi. Enfim, pra eles (STF), foi.
Drykarretada!